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Ser mãe pesa. Muito mais do que qualquer uma poderia pensar antes de o ser. Não são os filhos que pesam. É tudo o resto. Tudo o que a mãe tem que suportar, tudo a que se expõe, tudo o que tenta fazer e tudo o que não consegue controlar.
A mãe tem que ser uma super-mulher.
Leva tudo às costas. Leva o mundo sobre os ombros. Ombros cansados, doridos, vergados. Leva tanto peso que se sente pequena, esquecida, insignificante, esmagada, apagada. Um rascunho do que já foi e do que ainda não consegue ser.
"Como me vou recompor? Quem serei eu depois disto? E quando isso acontecerá?" Cada uma terá que descobrir como o fazer. Não será de modo igual para todas, cada uma à sua maneira. Não. Não será fácil. Algo é fácil na p*** da maternidade?!
Sustentar o peso do novo ser humano totalmente e constantemente depende de ti. As mamas são dele, os braços são dele, os olhos são dele, as noites são dele. Toda a tua energia é dele.
Sustentar o peso da casa: supermercado, cozinhar, lavar loiça, lavar roupa, estender roupa, passar a ferro, limpar pó, aspirar, lavar chão (podia continuar mas já chega).
Sustentar o peso da família: por mais bem intencionada que seja e por mais ajuda que dê, os mesmos problemas continuam a existir e é mais um fator com que lidar.
Sustentar o peso do emprego: esperam que a mulher tenha pais/sogros reformados e com saúde com os quais possa deixar os filhos nas 1001 vezes em que ficam doentes. Ser colocada em 2° plano no dia-a-dia profissional ou mesmo ser despedida.
Sustentar o peso financeiro: pediatra, outra vacina, roupa que deixou de servir, creche a peso de ouro, cadeiras para carro, cadeiras para comer, isto e aquilo, juntando às despesas habituais, outro electrodoméstico que foi à vida, o carro que avariou, a gasolina que tira o sono (para além do bebé).
Sustentar o peso do pai como outro filho e não como parceiro: é normal a mãe ter todas estas tarefas, acumuladas com o "dever de cuidar do marido" como se de um adolescente ainda na puberdade se tratasse. Ou mesmo quando não está numa relação amorosa ou de amizade com a mãe, existe o peso de lidar com ele na mesma, pois "é o pai da criança" ao olhos da lei.
E a mãe? Ou melhor, e a mulher? Como se sustenta a ela própria? Tomar banho, comer, dormir, ir ao wc, cuidar de si, respirar, ser uma pessoa para além da empregada, esposa, filha, contabilista, motorista, profissional. Ser apenas ela. O peso é tanto que o risco de se anular é enorme.
Sabe que não voltou a ser a pessoa que era. Como podia? Agora tem um pequeno ser que depende completamente dela, que redefiniu as suas prioridades. As responsabilidades e tarefas que acumula dão para dividir por várias pessoas. Mas ela é só uma.
Faz-se de forte - no fundo sabe que o é - coloca um escudo de aço sobre a sua exaustão e avança com um sorriso. Por dentro, sente-se cansada e sozinha.
Apesar de ser uma mulher incrível ela não é uma super heroína.
Lembra-te: ela veste o fato, mas não o é.
Tem o poder de não desistir, de ser resiliente, de continuar caminhando.
Mas tudo isso tem um preço.
O cansaço.
A sobrecarga.
Ela é um ser humano.
Maravilhoso.
Mas um ser humano, não uma máquina.
Por dentro, ela grita por uma pausa.
Por dentro, ela está exausta.
Por dentro, ela só deseja alguém que cuide dela, como ela cuida dos outros.
A SUPER-MULHER INVISÍVEL
Vimos muitas vezes nos filmes da Marvel e de outros super-heróis que os seus fantásticos poderes são acompanhados de grande responsabilidade e condenam, de certa forma, o herói, trazendo-lhe problemas em algum aspeto da sua vida pessoal, familiar, ou profissional.
O mesmo acontece a ti, mãe.
Enquanto grávida, foste mimada e alvo de preocupações saudáveis. “Dormiste bem? Como estão esses enjoos? Queres que te levante as pernas? Que barriguda que tu estás! Está quase quase cá fora, vais ver!” Depois que o teu filho sai de dentro de ti, essa preocupação, essa atenção, esse carinho que sabia tão bem, é redireccionado para o bebé. Faz sentido que assim seja, até certo ponto. Afinal, a tua própria atenção está agora mais focada nele. Mas será correto os elementos da tua comunidade se esquecerem que, nesse dia, para além do teu bebé, também nasceste tu, como mãe?
Nasceu uma mãe que para além de toda a demanda do bebé - das suas necessidades físicas (comer, dormir, fralda) e afetivas (contacto e dependência total da mãe) - tem que lidar com o seu próprio renascimento. Sem espaço ou tempo para o ser, fazes o luto da mulher que foste, procuras a mulher que agora reconstróis, sem saber bem como. Mas sem ninguém, realmente, ver isso.
Desde familiares, amigos e até profissionais de saúde, todos se concentram no bebé e tu és considerada uma extensão dele e para ele: são as mamas que lhe dão alimento, o colo que o adormece, os braços que o protegem.
A nova mãe cuida do bebé. Quem cuida desta nova mãe? Estarás sozinha nesta viagem feita de olhos vendados e sem copiloto? Se, como mãe, tens pouca ou nenhuma visibilidade, como mulher és completamente invisível.
CONTRADIÇÃO: OU SE CUIDA, OU SE DESCUIDA
A super-mulher orienta tudo e todos, suporta qualquer coisa pelo amor, sentido de luta e responsabilidade.
Levanta-se da cama, todos os dias, veste o seu fato de super heroína e enfrenta o mundo. Faz mil e uma coisas, desdobra-se no que for preciso ser naquele momento, mesmo parada a sua mente está ativa a planear o próximo passo, a próxima coisa que precisa ser feita.
Coloca as necessidades dos outros à frente das suas. O expoente máximo do altruísmo. Mas não te enganes. Por dentro, ela pede ajuda, em silêncio. Não vá ouvir "foste mãe porque quiseste", "ninguém te obrigou", "não era isso que querias?", "sempre foi o papel das mulheres, qual a novidade?". Comentários como estes levam a mulher, segura e confiante do seu valor, a duvidar. E ela não precisa de mais dúvidas e incertezas.
Reparam nas unhas por arranjar e na ausência de maquilhagem; mas não sabem que ela nem tempo tem de tomar banho descansada. Se alguém for a sua casa, vão notar a cozinha por arrumar e o cotão nos cantos da casa; mas não sabem que ela nem conseguiu almoçar. Comentam o seu excesso de peso ou a sua magreza extrema, que ela devia ter mais cuidado com a sua saúde; mas não sabem que a última vez que ela dormiu (realmente dormir, não é dormitar ou acordar de hora em hora), ainda o bebé não tinha nascido.
Este é o universo em que é criticada por se descuidar. Mas existe um outro universo. Não é paralelo, existe mesmo em simultâneo com este. Quando a mãe consegue gerir e dedicar-se finalmente a ela própria, é-lhe apontado o dedo como se isso invalidasse o amor e o cuidado pelos seus filhos.
Dizem que o lugar dela é em casa, com os filhos, e não a viajar; mas não sabem que é a respiração que precisa para voltar a encontrar o seu equilíbrio e dar o melhor de si aos seus filhos, quando voltar. Repreendem-na com o olhar, ao vê-la produzida, linda e maravilhosa, mais atrevida e sensual; mas não sabem que para a mãe existir, a mulher não tem que desaparecer, e tem todo o direito de exercer a sua sensualidade, sexualidade e luxúria como as mulheres que não são mães. Censuram-na quando sai e se diverte, no sentido de só querer saber dela, como se fosse solteira e sozinha de novo, e deixasse os filhos abandonados em casa; mas não sabem que uma mulher feliz e inteira, é o melhor exemplo que uma mãe pode dar aos seus filhos.
Daí a contradição: ou te cuidas, ou te descuidas. Seja como for, só mesmo uma super-mulher para lidar com tudo isto.
Uma dualidade complexa que depende certamente da perspetiva e das vivências de cada um.
E tu, qual a tua opinião?
Sofia Roque Grilo, Equipa Leva-me ao Colo, 2 de maio de 2023
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