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PAI OU PROGENITOR?

PAI OU PROGENITOR?

“Sempre quiseste ser mãe?” “Não… eu gostava mais de ser pai…” Quantas vezes não disse isto na minha (ainda curta) vida materna? A brincar e fora de brincadeiras. Explico porquê.


É maravilhoso ser mãe, mas se fores honesta contigo própria, concordas que será mais tranquilo e confortável ser pai. O pai tem um direito adquirido ao longo dos séculos que a mãe ainda luta para conseguir: o direito de fazer a sua vida sem se justificar a ninguém e sem se sentir culpada por isso. Desde sempre, fomos educados a considerar que o cuidado dos filhos é uma tarefa da responsabilidade exclusiva da mãe. Para algumas famílias, esta realidade já mudou um pouco, mas ainda não chegámos ao ponto de dizer que a divisão das responsabilidades entre pai e mãe é justa.


À mulher trabalhadora, perguntam várias vezes, “Como é agora voltar a trabalhar com um filho tão pequeno?”. Mas e ao pai trabalhador, quantas vezes questionam isso? Pois.


Lembras-te quando fazias trabalhos de grupo na escola e havia sempre algum colega que, em vez de cumprir com a divisão de tarefas e fazer a sua parte, limitava-se a não fazer porque sabia que alguém o faria por ele, e que o seu nome apareceria no trabalho final na mesma? Exato. Para muitos, ser pai é isso.


Quantos pais levam os filhos ao pediatra e tratam da logística toda desde a marcação da consulta, a organização dos documentos, as alterações, a compra de medicamentos e outros materiais? Quantos pais compram roupas novas porque eles próprios repararam que a criança cresceu e precisa de renovar várias peças de roupa? Quantos pais vão às reuniões da escola, participam ativamente nos grupos escolares, verificam a agenda da criança, ajudam nos trabalhos de casa, sabem as datas dos testes, compram o presente para levar no aniversário do amigo, orientam os passeios e prepararam os lanches para levar?


Atenção… Tudo isto SEM QUE A MÃE precise de o lembrar para fazer.

Eu sei que basta “pedir” que muitos pais fazem. Mas ninguém precisa “pedir” à mãe para fazer seja o que for. Então porque é preciso “pedir” ao pai? A iniciativa e a responsabilidade de criar, cuidar e educar recaem sempre sobre a mãe. A mãe faz. A mãe resolve. A mãe antecipa. Afinal, qual o papel do pai? Dar o espermatozóide, o apelido, algum dinheiro e já está? A isso não se chama pai, o dicionário tem outra designação: progenitor. Enquanto apenas “aquele que gera” significa progenitor; “aquele que cria e educa a criança” significa pai. Percebes a diferença?


DESAJUSTE DA REALIDADE ATUAL


Existem alguns pais que tomam a iniciativa e já têm uma intervenção semelhante à da mãe na educação dos seus filhos, que criam e cuidam dos filhos numa parceria com a mãe, lado a lado. Ótimo! Ainda bem! Mas vocês, meus caros, são a minoria, são a exceção à regra, e vocês sabem disso. Toda a gente, toda a sociedade, sabe disso, consciente ou inconscientemente, mas ainda é um assunto tabu, desconfortável, inconveniente. Como quem diz “não levantes a lebre….”.


O que muitos ainda não perceberam, é que “a regra” está errada. “A regra” está desajustada à realidade atual. O que antes fazia sentido, agora não faz mais. Fazia sentido, há uns bons anos atrás, a responsabilidade da rotina dos filhos ser exclusiva da mãe, pois o pai era o maior provedor financeiro da família. A mãe não tinha emprego e dedicava-se ao cuidado do marido e dos filhos, passando o testemunho às suas filhas. O pai saia para trabalhar, e assim que os filhos eram considerados capazes, iam com o pai ou outro homem da família aprender um ofício. Era esta a divisão de tarefas que se adequava à realidade dessa altura. Era este o equilíbrio familiar e social desses tempos.


Agora, a sociedade incute, em ambos os géneros, a liberdade intelectual e profissional, de estudarem e desenvolverem as suas capacidades em diversas áreas, mas esquecem-se que o modelo anterior de divisão de tarefas não está de acordo com isso. Continua-se a perpetuar um desequilíbrio entre os géneros, que se reflete mais tarde na vida familiar.


Olha só este cenário que ainda se assiste nos dias de hoje. Uma família com dois filhos, em que a rapariga é ensinada a cuidar da casa, enquanto que ao rapaz nem é exigido que participe nessas tarefas e muitas vezes, é a irmã que tem que arrumar o quarto dele, por exemplo. Ambos frequentam a escola. Ambos estudam e têm responsabilidades escolares e sociais. Mas desta vez, ao contrário do “antigamente”, o rapaz não aprende um ofício com o pai e não começa a trabalhar desde pequeno. Em vez disso, fica a ver televisão, a jogar no quarto, a sair com os amigos… afinal, a irmã ou a mãe vão limpar o quarto dele, certo? Não tem com que se preocupar. Alguém fará a parte dele. Como no trabalho de grupo, lembras-te?


Com esta linha de raciocínio, diz-me, onde estão os companheiros das mulheres que foram incentivadas a estudar e a ter uma carreira, para além do seu papel de mãe? Onde estão os homens que reconhecem que o papel da mulher mudou, e que o deles também tem que mudar? Estamos a criar meninos adultos para a sua futura namorada tomar conta, como a mãe deles fazia? Ou a criar futuros pais que dividem a vida familiar equilibradamente com as suas companheiras? De fato, estamos a educar dois géneros com dois padrões diferentes e é compreensível que depois estas duas peças do puzzle, para a construção de famílias equilibradas, saudáveis e felizes, não encaixem. A mãe vive sobrecarregada e o pai ausente do quotidiano dos filhos.


“ISSO É COISA DE MULHERES”


Continua-se a exigir muito mais à rapariga do que ao rapaz; e essa futura mulher, essa futura mãe, apesar de também ter responsabilidades profissionais como o homem/pai, vai crescer e achar que tem que continuar a cuidar dos homens da família como se fossem eternos bebés, e que a responsabilidade de criar os bebés dela é apenas e exclusivamente sua. Isto é tão distorcido, tão desequilibrado.


Outro argumento muito usado para justificar a desresponsabilização paternal é que “isso é coisa de mulheres; que cuidar dos filhos é, biologicamente, tarefa da mãe”. Lamento informar que, à exceção da gestação, do nascimento e da amamentação, tudo o resto o pai é fisicamente e biologicamente capaz de fazer. Aliás, até nestas três exceções o pai tem um papel importantíssimo, do qual é muitas vezes descartado: no real apoio à mãe.


Não é uma questão biológica, é cultural. São as normas sociais. E quem as faz, é a sociedade, ou seja, somos todos nós. Se estas normas têm vindo a mudar, aos poucos, para algumas famílias, é porque é possível, é porque tudo se resume a uma coisa: a escolha. É escolha de cada pai. É decisão de cada pai em se co-responsabilizar pela educação e cuidado dos seus filhos. Se é uma escolha, está nas mãos de cada pai fazê-la. Mais tarde, os filhos tomam consciência de qual foi essa escolha, e isso reflete-se no seu presente e no seu futuro.


Quando se divide as tarefas, é o melhor para todos, neste caso ainda mais para as crianças, que ganham mães e pais menos sobrecarregados, mais presentes e mais felizes, capazes de dar o melhor de cada um aos seus filhos.

Cuidar dos filhos é amor. Cuidar dos filhos enquanto temos que fazer (sozinhas) tudo e mais alguma coisa, é loucura, é cansaço, é desgaste. Somos humanas, porra. É tão difícil entender que nunca ninguém contribuirá para uma família saudável e feliz se estiver exausta? Pai, queres ensinar aos teus filhos que o pai e a mãe cuidam um do outro? Queres transmitir valores como respeito, equidade, cooperação e justiça? Queres ser pai e não somente progenitor? Está nas tuas mãos.


Sofia Roque Grilo, Equipa Leva-me ao Colo, 14 de setembro de 2023

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